No dia da Sambista, mulheres celebram suas conquistas em tradicional reduto masculino

Written by on 13 de abril de 2019

No Rio de Janeiro, todo mundo vai de samba, cantava Jackson do Pandeiro. Todo mundo mesmo? Na história do gênero, as mulheres ocupam lugares específicos: se não estão na cozinha, onde estão as “tias”, “embelezam o samba” como musas, cantoras ou passistas. Mas, pra refazer a cabeça, como canta Leci Brandão, surgem por aí as rodas de samba femininas, em que microfone, cavaco, pandeiro, tamborim e violão de sete cordas são só delas.

Para disputar um espaço ainda tão fechado, acontece hoje a primeira edição do Dia da Mulher Sambista, na Cinelândia. Tudo organizado e realizado apenas por mulheres, com uma grande roda formada por grupos como Moça Prosa, Samba Que Elas Querem, ÉPreta, Primavera das Mulheres e Flor do Samba.

— Se quisermos ocupar espaços além dos estabelecidos, normalmente há duas possibilidades. Uma é a da tutela, em que se é tratada como “café com leite”, com um certo olhar paternal. A outra é a do exotismo — afirma Manuela Oiticica, a Manu da Cuíca, uma das autoras do samba da Mangueira, campeão do carnaval deste ano.

‘Igual a homem’

Samara Líbano sabe bem disso. Coordenadora da Escola de Música da Associação do Movimento de Compositores da Baixada Fluminense (AMC), ela é hoje a única mulher a tocar violão sete cordas nas rodas da cidade. O interesse pelo instrumento nasceu por acaso, quando era aluna da AMC, em São João de Meriti. Foi nessa época, ainda aos 17 anos, que Samara entrou no mundo do samba, tocando profissionalmente na tradicional roda do Beco do Rato, na Lapa, onde era alvo de olhares desconfiados.

 

— Sempre houve um estranhamento de quem via a roda de fora. Primeiro achavam que eu não conseguiria segurar os três sets. Depois, que eu não acompanharia bem certas músicas — conta. — Hoje o campo está mais aberto. Mas ainda ouço: “Samara toca igual a homem”. Não, eu sou mulher e toco igual a mulher.

O Dia da Mulher Sambista, que será comemorado pela primeira vez hoje, foi criado no ano passado a partir de um projeto do vereador Tarcísio Motta (PSOL), aprovado na Câmara Municipal do Rio. A data é simbólica: 13 de abril, dia do aniversário de Dona Ivone Lara, morta em abril do ano passado, aos 96 anos. Impossível falar de protagonismo feminino dentro do samba e não pensar em Dona Ivone, que incorporou “Dona” ao nome para se fazer respeitar.

— Historicamente, as mulheres ficavam na cozinha. Por isso, até hoje, há um olhar discriminando, como se ali não fosse o lugar dela — afirma a produtora cultural Camille Siston, que pesquisa empoderamento feminino nas rodas de samba para seu mestrado na Universidade Federal Fluminense.

Aos poucos, nomes como o de Manu da Cuíca ou o da compositora Iara Ferreira começam a se tornar mais frequentes na nova safra de sambas. Elas estão também mais presentes nas rodas, comandando instrumentos. Além de Samara, no violão sete cordas, há Yasmin Alves, no cavaquinho, Mari Araújo, no pandeiro, Giselle Sorriso, no repique, só para citar algumas mulheres que vêm se destacando no cenário antes totalmente masculino.

— O número de mulheres instrumentistas está crescendo, mas ainda há resistência masculina. Sempre fico com a impressão de que para sermos aceitas precisamos fazer três vezes melhor do que os homens, o que afasta muita gente talentosa — afirma Giselle, que toca repique profissionalmente há seis anos e participa de rodas mistas e exclusivamente de mulheres. — Há músicos parceiros, que acolhem e apoiam. Mas a todo momento sou colocada à prova. Por mais que esteja tudo certo no andamento da roda, quando acontecer alguma coisa errada, a culpa será da mulher.

Em atividade desde 2012, o grupo Moça Prosa, que surgiu da primeira roda de samba feminina nascida da rua, teve um começo penoso. Alguns contratantes menosprezavam o grupo e muitas vezes nem queriam honrar o cachê do show.

— Já tentaram tirar instrumento da mão das percussionistas, não quiseram nos pagar ou sugeriam um valor menor — conta Fabíola Machado, uma das vocalistas.

A produtora Patrícia Rodrigues, que também organiza o evento de hoje, diz:

— É muito comum a desqualificação de musicistas e cantoras nas rodas convencionais. Pouquíssimos sambistas prestigiam eventos ou rodas de mulheres. É impressionante como existe essa falta de credibilidade deles em relação à gente.

O avanço, acredite, ainda assusta. Em novembro do ano passado, na primeira edição do Encontro Nacional das Mulheres nas Rodas de Samba, coordenado pela cantora Dorina, eram raros os sambistas homens.

— Sinto que eles ficam assustados. Talvez porque existe um discurso forte de empoderamento — argumenta Camille.

‘Cheirosas’

Se antes se intitulavam “rodas cheirosas” e eram vistas como femininas , as rodas de samba só de mulheres passaram a ser também feministas, explica a cantora Marina Íris, do ÉPreta:

— As próprias mulheres começaram a empurrar os limites. Até este ano, eu nunca tinha sido procurada por um compositor para fazer um samba-enredo. Agora, as rodas de mulheres também pautam o debate.

Colaborou Amanda Pinheiro, estagiária sob supervisão de Marina Gonçalves

Fonte: Escola Brasileira do Samba


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